quarta-feira, 12 de agosto de 2009

ANGELA ALICE E O TREM HÚNGARO

Silvana Mangano, em "Arroz Amargo"

Angela Alice foi minha primeira namorada da infância. Morava ao lado do velho cinema da pequena villa de Carlos Barbosa que era então um aglomerado de casarões na rua central e algumas dezenas de casas modesta s no entorno. Ao longodo então segundo distrito de Garibaldi corriam os trilhos da estrada de ferro, atravessando e dividindo o povoado ao meio.

O chefe da estação era o seu Noveli, pai de Angela.

Tudo girava na chegada do trem, que vinha de Porto Alegre, subindo a serra. Ouvia-se o apito na Ponte Seca, entre onze e onze e quinze da manhã. Aos poucos a estação se enchia de gente. A máquina entrava na gare resfolegando fumaça, seu Noveli aguardava na plataforma com o protocolo estendido preso a um pequeno círculo de arame no alto da mão, o maquininista com o corpo para fora da janela pegava o papelucho ar.

Ritual diário de chefe de estação, como também era o toque no sino, anunciando a parada do comboio. Enquanto os passageiros desciam e subiam do trem, eu oferecia pastéis e salgadinhos, que trazia numa cesta presa ao pescoço. Foi meu primeiro trabalho remunerado, que não durou mais de um mês. Não fui um bom vendedor. Comia muitos pastéis, que eram descontados na féria do dia.

Em "Amarcord" do Fellini, o povo de Rímini tem um deslumbramento quando o "Rex", o grande transatlântico, "orgulho do regime" , passaria pela costa do balneário. São cenas patéticas. Nós, em Barbosa, também tivemos esse tipo de êxtase, só que de orgulho ferroviário quando, nos ultimos anos da década de 50, a cidade recebeu a passagem do célebre Trem Húngaro, um luxo para aquela época. Vimos o monstro chegar e parar na estação, conhecemos por dentro e por fora, mas eu, particularmente, nunca viajei nele.


No velho cinema, um casarão de madeira, vi meus primeiros filmes coloridos: "Ali Babá e os quarenta ladrões", com Toni Curtiss e Janet Leigh. E também meu primeiro filme proibido, "Arrroz Amargo", com a estonteante Silvano Mangano, mostrando as pernas com o vestido preso na cintura, tremendo momento erótico do filme.

Meu romance com Angela Alice, absolutamente platônico nos nossos 9 ou dez anos de idade - deve ter sido por volta de 1951 ou 52 - teve seu climax na sessão em que vimos "Amanhã será tarde demais". Angela e sua mãe - senhora de portentosa gargalhada, todo cinema sabia quando ela estava na sala se a fita era comédia - sentaram-se na minha fren-
te assim que começara a sessão.

Agarrei suavemente os cabelos de Angela por alguns segundos. Foi a primeira vez que toquei nela. A segunda e última foi quando a família dela se mudou para Santa Maria. Nos despedimos na estação com um aperto de mão. Nos correspondemos por carta por algum tempo e depois perdi o contato.

O cinema de Barbosa não tinha nome, mas ninguém se importava. Bem mais interessante que o nome era a sirene que soava tres vezes antes de iniciar a sessão. Eram tres longos uivos espaçados por cinco minutos entre cada um e que alcançavam até os mais distante casebres da então vila de Carlos Barbosa.

Um pouco antes de nos mudarmos, eu e Angela Alice descobrimos um depósito de livros ou o que restara de uma antiga biblioteca, nos fundos do casarão que abrigava o cinema.
Uma descoberta que nos tirou o fôlego, porque, além dos livros, seria nosso esconderijo secreto, onde pod[iamos conversar e dividir nossa solidão pré-adolescente.

Quando retornei a Carlos Barbosa, mais de cinquenta anos depois, nada mais restara do cinema, nem da casa onde minha familia morava. A estação ferroviária hoje é um centro cultural. E dentro dela funciona o cinema de arte da cidade, certamente bem mais organizado e moderno, como toda Barbosa é hoje em dia. Uma cidade moderna, rica e ao mesmo tempo pacata e ordeira, orgulho de seus habitantes e que encanta quem a conhece pela primeira vez. Ou a revê depois de cinco décadas.


N. da R.: A foto de Silvana Mangano é uma gentileza do Diário da Fonte (www.outubro.blogspot.com), um achado precioso do jornalista e escritor Nei Duclós, incentivador número um deste espaço, inaugurando o visual deste meu blog.





3 comentários:

  1. Veja, ilustre espectador, a foto no link abaixo:
    http://jornale.com.br/zebeto/wp-content/uploads/2009/03/silvana1.jpg

    É hora de colocar fotos no blog!

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  2. E tem cenas no you tube de Riso Amaro. Clique:

    http://www.youtube.com/watch?v=wgwLjThp6RU

    http://www.youtube.com/watch?v=8sqAT8cltQA&NR=1

    http://www.youtube.com/watch?v=OvDkkZSatjY

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  3. Helas! minha placa de video está rateando, não consegui baixar, estou dando um jeito.Mientras tanto,andiamo avanti

    virson

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