sábado, 29 de agosto de 2009

UM CASAMENTO E DOIS CAVALOS


Meu pai foi o sexto filho de uma prole de nove irmãos. Ainda na escola primária foi excluído das salas de aula, obrigado a trabalhar. Aprendeu a ler mais tarde por conta própria ao mesmo tempo que desenvolvia o aprendizado das quatro operações - tudo mais ou menos de modo autodidata - que muito lhe valeram na vida adulta, quando se tornou, como ele mesmo se denominava, um homem de negócios.

Aos 13 anos saiu da casa paterna para seu primeiro emprego que, por sinal, abominou para o resto da vida. Foi trabalhar como ajudante numa ferraria, emprego ainda sem carteira assinada - na época não existiam as leis trabalhistas instituidas logo em seguida por Getulio - labutando das sete à sete, com meia hora para o almoço.

Pediu demissão no mesmo dia em que recebeu o primeiro salário. Com o dinheiro comprou um cavalo, seu primeiro instrumento de trabalho autônomo. Sobreviveu por mais de dois anos vendendo fumo em corda e bilhete de loteria nas vendinhas de beira de estrada ou nos acampamentos de trabalhadores, que nos anos trinta abriram as estradas de macadame nas colonias da região serrana.

Mais tarde comprou dois cavalos marchadores, "Douradilho" e "Bailongo", referência de seus gostos tangueiros. Nessas andanças, conheceu parte da serra gaúcha, até as margens do Taquari.
Nessa região foi definitivamente atraído pelo comércio de pedras, na época conhecidas como semipreciosas, que eram achadas quase a flor da terra no Vale do Rio Fão, próximo a então vila de Nova Brescia, minha terra natal, distante uns 30 km de Encantado, onde meu pai conheceu minha mãe num baile de ano novo.

A história desse encontro e do posterior casamento tem versões contraditórias.. Uma delas diz que meu pai praticamente impôs a união, cercando a noiva por todos os lados, contrariando a vontade da família dela.

A outra versão conta que a corte do pretendente foi bastante hábil. Já tendo visto a pretendida e com ela trocado olhares, meu pai mandou um emissário com um recado perguntando se poderiam dançar no tal baile de ano novo, posto que minha futura mãe era viúva de um primeiro casamento e essa condição exigia uma formalidade rigorosa para os costumes daquele tempo e lugar.

De culturas e religiões diferentes - ele protestante, ela católica - era quase natural que haveria oposição das famílias. Estavam apaixonados, me disseram vários contemporâneos - e o casamento foi inevitável. Casaram apenas no civil, o que equivalia a um escândalo para a época. As religiões tiveram que esperar.
Foto: Bette Davis e Henry Fonda

Um comentário:

  1. Esses pais que inventaram um país com seu inconformismo, porque não aceitavam os destinos já definidos e foram percorrendo o Brasil abrindo caminho. Nesse rastro, herdamos a aventura. Belo resgate.

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