O que eu mais gostava na primeira infância era visitar minha avó materna, que morava a uns cinco quilômetros da casa de meus pais, em Encantado. Uma vez, causei um grande susto em casa porque decidi ir sozinho e a pé até a casa da Nona sem avisar ninguém. A casa - e também o caminho que conduzia até lá - era literalmente o paraíso para um menino de cinco anos.
De ambos os lados da estrada, imensas plantações de milho acompanhavam o lento trajeto, cintilando à luz do sol, embalada pelo vento suave da manhã.
A casa - ainda está de pé - é uma construção terminada em 1909 - toda em estilo vêneto rural, erguida em dois pisos, com parede de pedra de um metro de largura protegendo a adega do piso térreo, onde meu avô armazenava vinho em tonéis da altura de uma porta.
Nos fundos da casa crescia um pomar imenso com todas as frutas da região, ao lado de um parreiral subindo a encosta do morro. E no meio do pomar, descendo a montanha em direção a casa, um aqueduto desembocava num largo tanque caseiro de lavar roupa, com seu sonoro ruído de ´agua corrente. Do tanque, o fio de água descia para a cozinha e dali para o curral lotado de porcos, galinhas, patos e marrecos.
E quase chegando à margem do riacho, um prado verde se abria ladeado por renques de árvores altas e copadas, abrigando em sua sombra os animais de tração da propriedade.
Nona Maria era o apelido familiar de minha vó materna Maria Fontana Bergamaschi, que o destino ou a falta de água tratada tornou viúva de repente, deixando-a com o encargo de chefiar uma imensa família, com três filhos homens ainda solteiros e mais seis filhas, algumas adolescentes e outras ainda crianças.
Meu avô, Carlos Bergamaschi, morreu de tifo no verão 24 ou 25, no apogeu dos 40 e poucos anos de vida, agricultor já bem sucedido, dono de seu nariz e de sua terra, mas que sucumbiu a uma súbita e mortal febre tifóide, que na época não tinha cura.
Nascido em Gazzuolo, uma aldeia da província de Mantova, no norte da Itália, no ano de 1879, meu avô abrasileirou o nome para Carlos quando aqui chegou, com a idade de 14 anos. Emigrou com a família, saindo do porto de Gênova, na terceira classe de um navio superlotado de camponeses sem terra. Nunca em toda a história da Itália camponesa, jamais um agricultor de Gazzuolo fora dono de sua própria gleba de terra.
Desembarcaram no cáis e Porto Alegre, numa manhã fria de julho de 1893. No ar já se pressentia o cheiro de pólvora da Revolução Federalista que logo iria explodir de norte a sul do país.
Subiram o rio Jacuí, depois o Caí, até Montenegro. Dali escalaram a serra em carroça de boi e montaria de mula até o posto de recepção aos imigrantes na Linha Forqueta, entre Caxias e Farroupilha. Receberam ferramentas e uma escritura de propriedade de 24 alqueires de terra no município de Encantado, mais precisamente no Passo da Linha Lageadinho, a mais ou menos cinco quilômetros da sede municipal.
As primeiras casas, de pau a pique e sapê, fora construidas em madeira recolhida no mato circundante (e bota mato nisso) onde havia animais selvagens de espécies hoje quase desaparecidas. Como proteção, as casas eram cercadas com paliçada, cercas de pequenos troncos enlaçados un nos outros. À noite havia sempre alguém de sentinela, mantendo uma fogueira acesa.
Assim a gente espantava as feras, dizia minha avó, que carregou por toda a vida na lembrança o rugido noturno da onça pintada rondando faminta a casa frágil do Passo do Lageadinho.
Nona Maria faleceu em 1979, com 96 anos de idade.
De ambos os lados da estrada, imensas plantações de milho acompanhavam o lento trajeto, cintilando à luz do sol, embalada pelo vento suave da manhã.
A casa - ainda está de pé - é uma construção terminada em 1909 - toda em estilo vêneto rural, erguida em dois pisos, com parede de pedra de um metro de largura protegendo a adega do piso térreo, onde meu avô armazenava vinho em tonéis da altura de uma porta.
Nos fundos da casa crescia um pomar imenso com todas as frutas da região, ao lado de um parreiral subindo a encosta do morro. E no meio do pomar, descendo a montanha em direção a casa, um aqueduto desembocava num largo tanque caseiro de lavar roupa, com seu sonoro ruído de ´agua corrente. Do tanque, o fio de água descia para a cozinha e dali para o curral lotado de porcos, galinhas, patos e marrecos.
E quase chegando à margem do riacho, um prado verde se abria ladeado por renques de árvores altas e copadas, abrigando em sua sombra os animais de tração da propriedade.
Nona Maria era o apelido familiar de minha vó materna Maria Fontana Bergamaschi, que o destino ou a falta de água tratada tornou viúva de repente, deixando-a com o encargo de chefiar uma imensa família, com três filhos homens ainda solteiros e mais seis filhas, algumas adolescentes e outras ainda crianças.
Meu avô, Carlos Bergamaschi, morreu de tifo no verão 24 ou 25, no apogeu dos 40 e poucos anos de vida, agricultor já bem sucedido, dono de seu nariz e de sua terra, mas que sucumbiu a uma súbita e mortal febre tifóide, que na época não tinha cura.
Nascido em Gazzuolo, uma aldeia da província de Mantova, no norte da Itália, no ano de 1879, meu avô abrasileirou o nome para Carlos quando aqui chegou, com a idade de 14 anos. Emigrou com a família, saindo do porto de Gênova, na terceira classe de um navio superlotado de camponeses sem terra. Nunca em toda a história da Itália camponesa, jamais um agricultor de Gazzuolo fora dono de sua própria gleba de terra.
Desembarcaram no cáis e Porto Alegre, numa manhã fria de julho de 1893. No ar já se pressentia o cheiro de pólvora da Revolução Federalista que logo iria explodir de norte a sul do país.
Subiram o rio Jacuí, depois o Caí, até Montenegro. Dali escalaram a serra em carroça de boi e montaria de mula até o posto de recepção aos imigrantes na Linha Forqueta, entre Caxias e Farroupilha. Receberam ferramentas e uma escritura de propriedade de 24 alqueires de terra no município de Encantado, mais precisamente no Passo da Linha Lageadinho, a mais ou menos cinco quilômetros da sede municipal.
As primeiras casas, de pau a pique e sapê, fora construidas em madeira recolhida no mato circundante (e bota mato nisso) onde havia animais selvagens de espécies hoje quase desaparecidas. Como proteção, as casas eram cercadas com paliçada, cercas de pequenos troncos enlaçados un nos outros. À noite havia sempre alguém de sentinela, mantendo uma fogueira acesa.
Assim a gente espantava as feras, dizia minha avó, que carregou por toda a vida na lembrança o rugido noturno da onça pintada rondando faminta a casa frágil do Passo do Lageadinho.
Nona Maria faleceu em 1979, com 96 anos de idade.
Virson,
ResponderExcluirparabéns pelo teu blog. Já sou teu leitor constante. Este post sobre a Nonna está demais e, claro, me leva à minha infância, quando eu passava as férias de julho com minha avó materna. Mesmo tendo uns oito, nove anos, eu encarava uma viagem de ônibus por estrada de barro vermelho de Três Passos, onde morava,até Três de Maio. Era uma aventura maravilhosa, que talvez tenha plantado em mim o gosto pela estrada.
Um abraço
Clovis
Clovis,fico
ResponderExcluiragradecido pelo comentário e muito feliz pelo nosso reencontro. Escrever essas memórias mexe com tudo na vida da gente.
Não sei se foi coincidência, uns dias atrás relembrei com o Fernando Albrecht alguns episódios ocorridos naquela tua casa nos nossos tempos de Porto.
um grande abraço
Virson