Com exceção de minha mãe - nascida e criada no Passo do Lageadinho, em Encantado, endereço cuja lembrança a deixava tomada por imensa nostalgia - pertencer a alguma querência nunca fez sentido para mim, meus irmãos ou meu pai.
Quando me perguntavam de onde eu era, sentia um certo constrangimento e, no mais das vezes, até conseguir explicar que tinha nascido em tal lugar mas que já morara em quatro ou cinco outros lugares diferentes, a conversa já tinha perdido a graça.
Meu pai nasceu no interior de Montenegro, no distrito de Brochier. Detalhe: um incêndio teria destruido o cartório do lugar e assim seu Arno nunca conseguiu retirar uma segunda via da certidão de nascimento. Mas identidade e documento nunca lhe faltaram.
Desde muito jovem, treze ou catorze anos, o ainda adolescente Arno Holderbaum foi o que chamamos hoje de livre e independente. E com condução própria. A cavalo, percorreu boa parte da Serra Gaúcha, que nos anos trinta era uma teia formada por centenas de vilas e colonias interligadas por um emaranhado de picadas e estradas precárias, um desafio épico para os raros motoristas de então.
Seu Arno só dispensou o cavalo quando melhorou de vida e casou, indo morar na cidade de Encantado, numa casa comprada com o dinheiro ganho no negócio das pedras semipreciosas, que ele já então industrializava numa oficina de lapidação, instalada naquela cidade.
Desse momento minha mãe me contou a última lembrança de Bailongo, o alazão que me carregou quando eu ainda usava fraldas.
Eu já era bem grandinho e minha mãe, católica, queria me batizar contra a vontade do marido - que se dizia protestante e com uma postura acentuadamente anticlerical. Acontece que o padre do lugar nega-se a me batizar, por tomar conhecimento de que meu pai, além de não ser católico, tinha se recusado a casar em cerimônia religiosa.
Dá-se que seu Arno e o padre encontram-se por acaso, numa das estradas, ambos a cavalo. O padre, mal cumprimenta, vai direto ao assunto, procurando se explicar e defendendo, naquele caso, as posições e as normas da Igreja.
Leigo, mas conhecedor de alguns fundamentos republicanos, seu Arno respondeu na bucha que filho dele "não precisava de batismo" e que ele dispensava toda e qualquer religião, principalmente aquela que obrigava um homem "a andar vestido de saia". Desnecessário dizer que os padres, naquele tempo, ainda usavam batina.
Daí para o desentendimento aberto foi uma faísca. O padre, ofendido com a audácia daquele forasteiro, também parte para a agressão verbal.
Outros passantes param para assistir à discussão e, diz minha mãe que lá pelas tantas, meu pai não se contém, puxa do chicote, joga o braço para trás, esticando o látego ao máximo e bate com toda força no lombo do cavalo do padre, fazendo o animal disparar. O padre cai literalmente do cavalo, sendo logo socorrido e levado para a cidade. É possivel que essa tenha sido a causa de mais uma mudança de lugar na vida da família de Arno Holderbaum. Mas ninguém até hoje me confirmou.
Quando me perguntavam de onde eu era, sentia um certo constrangimento e, no mais das vezes, até conseguir explicar que tinha nascido em tal lugar mas que já morara em quatro ou cinco outros lugares diferentes, a conversa já tinha perdido a graça.
Meu pai nasceu no interior de Montenegro, no distrito de Brochier. Detalhe: um incêndio teria destruido o cartório do lugar e assim seu Arno nunca conseguiu retirar uma segunda via da certidão de nascimento. Mas identidade e documento nunca lhe faltaram.
Desde muito jovem, treze ou catorze anos, o ainda adolescente Arno Holderbaum foi o que chamamos hoje de livre e independente. E com condução própria. A cavalo, percorreu boa parte da Serra Gaúcha, que nos anos trinta era uma teia formada por centenas de vilas e colonias interligadas por um emaranhado de picadas e estradas precárias, um desafio épico para os raros motoristas de então.
Seu Arno só dispensou o cavalo quando melhorou de vida e casou, indo morar na cidade de Encantado, numa casa comprada com o dinheiro ganho no negócio das pedras semipreciosas, que ele já então industrializava numa oficina de lapidação, instalada naquela cidade.
Desse momento minha mãe me contou a última lembrança de Bailongo, o alazão que me carregou quando eu ainda usava fraldas.
Eu já era bem grandinho e minha mãe, católica, queria me batizar contra a vontade do marido - que se dizia protestante e com uma postura acentuadamente anticlerical. Acontece que o padre do lugar nega-se a me batizar, por tomar conhecimento de que meu pai, além de não ser católico, tinha se recusado a casar em cerimônia religiosa.
Dá-se que seu Arno e o padre encontram-se por acaso, numa das estradas, ambos a cavalo. O padre, mal cumprimenta, vai direto ao assunto, procurando se explicar e defendendo, naquele caso, as posições e as normas da Igreja.
Leigo, mas conhecedor de alguns fundamentos republicanos, seu Arno respondeu na bucha que filho dele "não precisava de batismo" e que ele dispensava toda e qualquer religião, principalmente aquela que obrigava um homem "a andar vestido de saia". Desnecessário dizer que os padres, naquele tempo, ainda usavam batina.
Daí para o desentendimento aberto foi uma faísca. O padre, ofendido com a audácia daquele forasteiro, também parte para a agressão verbal.
Outros passantes param para assistir à discussão e, diz minha mãe que lá pelas tantas, meu pai não se contém, puxa do chicote, joga o braço para trás, esticando o látego ao máximo e bate com toda força no lombo do cavalo do padre, fazendo o animal disparar. O padre cai literalmente do cavalo, sendo logo socorrido e levado para a cidade. É possivel que essa tenha sido a causa de mais uma mudança de lugar na vida da família de Arno Holderbaum. Mas ninguém até hoje me confirmou.
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