domingo, 4 de julho de 2010

ANOS DOURADOS

Tito Lang, eu, Martinho Rottmann e Harry Fischer, o Fichinha, colegas de turma do Clássico.
Essa elegância e esse humor eram todo dia assim. Bons tempos. A foto é de 1959, dos arquivos implacáveis do Martinho



Me despedi do mundo da minha infância e adolescência numa manhã de verão. E como na canção de Caetano Veloso, "no dia que eu fui embora, não teve nada de mais". Peguei o trem na estação de Desvio Blauth, município de Farroupilha, e me mandei para a capital.

Meu pai conseguira vaga no Curso Clássico do Seminário Concórdia, uma escola da Igreja Luterana do Sínodo de Missouri. Explico que meu avô paterno era luterano do sínodo alemão dessa mesma Igreja e assim, por caminhos cruzados, tive a oportunidade de estudar num dos melhores colégios de Porto Alegre daquela época.

Assisti aulas com Arnaldo e Donaldo Schueller, Atilio Chemello, Martin Flor, Ernst Rupp (o Velho Alemão), os professores Walther Kunstmann, Paul Schelp, Arno Gueths, Fritz Otten e outros cujo nome não lembro, mas de igual competência.

Passei todos os anos do curso clássico em regime de internato. Aulas de manhã das sete e meia às doze e meia. À tarde e à noite, duas horas de estudo, obrigatório. Folga aos sábados à tarde até domingo às 18h. Tínhamos campo de futebol, quadras de basquete, pistas de atletismo e pavilhão de ginástica coberto. Biblioteca com mais de dez mil volumes, auditório e um piano Essenfelder, laboratório de Física, Química e Biologia, enfermaria, capela com um órgão majestoso onde o Professor Hans Rottmann, em tardes inesquecíveis, nos transportava nas tocatas de Bach.

O colégio tinha uma vista privilegiada. Dos altos da Lucas de Oliveira via-se o velho hipódromo dos Moinhos de Vento, o centro da cidade e o Guaiba a perder de vista. Éramos vizinhos do IPA (Instituto Porto Alegre) e do Colégio Americano, onde todos os anos assistíamos às olimpíadas esportivas metodistas, espichando o olho para as alunas deste último.

Em 60 também concorri a uma olimpíada, mas a estrela do evento - pelo menos para mim - foi Sonia Knack, que seria minha primeira namorada. Ela arrebatou o público interpretando "Pour Elise", de Beethoven, no piano. Nosso namoro durou pouco, as familias interferiram, era tempo de estudo e não de namoro.
Muitos anos depois nos reencontramos e para alívio mútuo conseguimos passar a história a limpo, com saudável nostalgia e muito bom humor.

Enquanto isso, minha lua de mel com a vida cidadã de Porto Alegre ia de vento em popa. No final dos 50 a cidade tinha mais de 40 cinemas em atividade e uma vibrante orquestra sinfônica conduzida pelo maestro húngaro Pablo Komlos, uma personalidade artística sem par e um marco cultural portoalegrense daquele tempo.

O coral do Seminário Concórdia foi escolhido para atuar na ópera "A Flauta Mágica", de Mozart, com a regência do Maestro Komlós. Os ensaios eram no pavilhão de ginástica, com atuação de parte da orquestra. Descobri então a magia da ópera e não perdi mais nenhum ensaio. Acabei decorando trechos inteiros da melodia e do texto em alemão, conservados na memória até hoje.

2 comentários:

  1. É de chorar. O Brasil perdido, o Brasil soberano,a juventude tão bem preparada e que foi jogada na rua pela ditadura. Ao mesmo tempo, um texto que resgata esse esplendor e se transforma não apenas num testemunho, mas na corporificação de uma esperança: um dia fomos assim, e seremos no futuro. Para isso vivemos nossas vidas.

    Parabéns! Arrasou: precisão, elegância, riqueza de detalhes.

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  2. Apesar de tudo que aconteceu com a nossa geração, também acredito na reconstrução do Brasil. E mais ainda depois dessas palavras generosas. Agradecido, Nei.

    Virson

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