sexta-feira, 31 de julho de 2009

Vamos nessa

Vamos nessa era

A era quando

Era quanto? por quanto?

Canta a percanta:

Per quanta?

A era esfera

A era fera

A era que espera

Na tocaia, no rabo de arraia

Por uma nova velha era

(Novela era)


E se essa era

Não for agora?

E se não for agora, quando?

Já questionava Hillel

Alto-falando

A Asimov e a Bezalel


Não te iludas

Nada muda

As Eras de hoje

São curtas

De perna curta

Apenas curta

Vão no máximo

De Pixinguinha

A Tom Jobim

De Tabajara Ruas

a Nei Duclós

De surpreendente artesania

E técnica

Técnica de tekne

Que significa arte em grego

Esse gigante pedante

Pé ante pé diante de Dante

Quando tekne e arte

Eram a mesma cousa

A mesma lousa

Tecnicarte uma e outra

E mesmoutra


Era que vai do dito

Benedito Spinoza

Ao Julio Rosa

De São João do Montenegro

Onde o Pareci deságua no Caí

Era que foi

do Alighieri sobredito

E lasciata ogni speranza

A todos os mestres

Da era aquariana

Da grande dança quando

quem não dançou, dançou

Incluindo a euforia nonsense

Do barato decadence

Do Clearwater Credence

Finita inocence

(Post Scriptum:

allons y a Paris

où tous jamais sera finis)

Florianópolis, janeiro de 2006

Encontro Fugaz Com o Fantasma de Nelson na Noite Fria da Ressacada

O jogo já terminara e eu me encaminhava para a saída quando vi aquela figura pachorrenta, cigarro fumegando entre os dedos, a contemplar o gramado vazio.

Parado, fixei o olhar naquele terno escuro, achando que era algum sósia, mas não, ele estava lá mesmo, idêntico, com o mesmo olhar bovino a ruminar seus mais sórdidos personagens de “Bonitinha, mas ordinária” e “Os Sete Gatinhos”.

Já sabem de quem estou falando. Por mais absurdo que possa parecer, lá estava eu, no estádio silencioso, diante do fantasma de Nelson Rodrigues, o Anjo Pornográfico.

Pensei até em saudá-lo com uma expressão jocosa, tipo “e aí, cara, descansando à sombra das chuteiras imortais!”, para quebrar o gelo, mas achei melhor não arriscar. Ele poderia me virar a cara, me esnobar, me ignorar, ou pior, desaparecer de vez.

Cheguei mais perto e me sentei a umas quatro cadeiras dele, na mesma fileira. Então ele se virou pra mim e disse com o olhar “sampaku” e a inconfundível voz arrastada:

- O futebol do Avai é uma reinvenção surgida do Nada Absoluto só para contrariar os comentaristas de abobrinhas e emudecer o ego doentio das grandes torcidas. Ái de vós corintianos e flamenguistas de botequim! Esse timinho que não valia uma nota de 10 reais está jogando um futebol luxuoso como sofá de marquês.”

Tossiu devagar e calou-se.

Não havia mais dúvidas. Era mesmo ele. Ou o fantasma dele.

Virou-se novamente na minha direção, e sem me olhar, continuou:

- Faz pouco debochavam desse time dando gargalhadas convulsivas. O Avaí era a Tartaruga Sentada no Poste da Série A. Ninguém sabia como tinha chegado lá mas todos sabiam que ia cair. Pois agora eu digo que a tartaruga criou asas e voa altaneira sobre todos os postilhões da primeira divisão. Eu saúdo a Tartaruga Voadora da Ressacada. Longo futebol a esse Possesso Redivivo que vocês chamam de Muriqui.

Tossiu mais uma vez enquanto esmagava o toco do cigarro com a sola do sapato. Foi se levantando vagarosamente, ajeitou o casaco no ombro, a camisa branca de linho semi-aberta no peito. Já passava da meia noite, o sereno congelava as cadeiras de plástico do estádio mas o fantasma de Nelson não sentia frio nenhum, como se fosse um Vampiro da Transilvânia.

Fomos caminhando devagar em direção a saída, eu na frente, ele um pouco atrás. Me distraí imaginando como estaria o trânsito no Trevo da Seta e quando meu pensamento voltou me dei conta que a figura de terno escuro já tinha desaparecido.

(Floripa, 31 de julho de 2009 -no dia seguinte ao jogo Avai 4, Vitória 0), quinta vitória consecutiva do Leão, após amargar um bom período na laterna do campeonato)