segunda-feira, 29 de novembro de 2010

AVE CAIO!


Depois do jogo de domingo na Ressacada, alguém me disse com a boca amarga do ressentimento: “Esse Caio tem a cara da torcida deles, é baixo, feio e tem um sotaque brabo”.
Na hora não reagi à odiosa soberba. Não sei dizer se fiquei mais perplexo diante da estupidez do meu interlocutor ou face à grandeza do evento que se desenrolava no estádio ensandecido de euforia.
Pois é esse baixinho feioso e com uma voz fininha sem o menor glamour que vai ficar na história do Avaí Futebol Clube e da cidade de Florianópolis como o autor de uma das maiores façanhas que um jogador de futebol pode fazer por seu clube e por sua torcida.
Três gols espetaculares e uma virada inesquecível que transformaram, como num toque de mágica, um jogo desesperado numa apoteose de final de campeonato.
Avaianos, eu sei que é difícil atender esse pedido, mas dêem uma breve pausa no êxtase e reflitam por um breve instante.
E parem de pagar ridículas promessas ou agradecimentos de joelhos porque pega mal.
Porque diante da grandeza do pequeno Caio qualquer homenagem ou agradecimento será ínfimo, reles, diminuto.
E pelo amor de Nossa Senhora da Ressacada, não me venham com estátuas porque a gratidão verdadeira não cabe em dimensões de bronze.
Uma estátua seria muito pouco para homenagear os três golaços do imortal Antonio Caio da Silva Souza.
Que homenagem seria maior do que transmitir às futuras gerações avaianas o nome do herói?
Guardemos dele apenas o nome completo e um sorriso permanente, enquanto ruge um silêncio ensurdecedor pelos lados do Estreito!

domingo, 28 de novembro de 2010

FLORIANOPOLITANGO



Certos tangos
Ilhéus tangos
Isolados tangos
Insistem em tocar
Em soar, em gemer
Fazendo tremer
Fazendo aparecer aparições
Escondidas nas sombras
Que teimam em rimar
Com alfombras

Oh tangos crepusculares
Cantores de tantos mares
Oh ilha marrana
Açoriana, campechana
Colecionadora de bacanas
Abrigo e cana de párias
Oh ilha senhora
Madona da praia
De mangues e sombras
Insular melodia
Mediodia lunar

Mas eis que
Impelido por sina repentina
Bebo, fumo e aspiro
Sutil toxina
E em estado apopléctico
Catártico, apocalíptico
Apelo a Apolo
Oh deus da bela Acrópole
Salvai esta desterrada polis

Porém dessa cachaça
O eflúvio solerte passa
E então, obstinado
Volto a insistir
Nos gols do Albeneir
E naqueles tangos
Curtidos tangamente
Relapsamente
Certos tangos
Ilhéus tangos

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

RITA PAVONE, AOS 63 ANOS, EMOCIONANTE

ELA ESTOUROU NOS ANOS SESSENTA COM "DATEMI UN MARTELLO", DEPOIS SUMIU E AGORA RETORNA PELA WEB, COM AQUELA MESMA VOZ PODEROSA DA GURIA ROQUEIRA.

(Quem me mandou o vídeo foi minha amiga Ines G. Wilson, colega dos tempos da faculdade de jornalismo. Gracias, Ines.)

quinta-feira, 8 de julho de 2010

SOBRE DERROTAS E VENCIDOS

Djalma Santos, Pinheiro, Brandãozinho, Nilton Santos, Castilho e Bauer
Embaixo: Julinho, Humberto, Baltazar, Didi e Maurinho



Minha mais remota lembrança da Copa do Mundo é de 1954. Era um sábado ou domingo, o Brasil iria enfrentar a Hungria pelas quartas de final. Enquanto a família aguardava o início das transmissões pelo rádio , eu preferi , ou melhor, aproveitei minha chance da semana e fui à matinê do Cine Trianon – o único cinema de Garibaldi na época - ver um faroeste, que pelos meus cálculos deve ter sido “Alma de Renegado”, com Randolph Scott.

Quando sai da sala escura alguém me disse que tínhamos perdido por 4x2. Mais um capítulo daquilo que Nelson Rodrigues chamaria de “complexo de vira-latas”. Mais uma derrota, nem tão tremenda como a de 50, mas mesmo assim uma derrota. Diferente dos nossos faroestes , quando o mocinho ganhava todas no final, a realidade, sempre contrariando a ficção, era um filme que não passava pelas nossas cabeças naqueles anos.

Muito tempo depois, ao ler a biografia de Stefan Zweig, “Morte no Paraiso”, de Alberto Dines, eu tomaria conhecimento da real dimensão e de uma outra face do perdedor. Zweig sempre foi obcecado pelo perdedor, pelo derrotado, pelos humilhados. Dizia que estes são os verdadeiros vencedores. Na derrota está a profunda vitória do perdedor, pois dela ele pode retirar forças e dar a volta por cima. Mais ou menos isso. Parece literatura de auto-ajuda, mas o “Fliegender Oestereicher”, o Austríaco Voador, tinha razões que a razão não pode ignorar.

Refugiado do nazismo, Stefan Zweig tinha escolhido o Brasil como asilo, porque simplesmente se encantou por nosso país, pelo povo, pela geografia ainda quase intacta nos anos 30, pelo homem cordial. Logo depois ignorado, desiludido e deprimido pelas trevas triunfantes, escolheu o suicídio. Uma derrota aparente. Nos anos seguintes, seu livro “Brasil, Pais do Futuro”, criticado e desprezado na época, ganharia completo reconhecimento.

Quando Zweig partiu desta, eu mal completara 4 meses de vida e minha mãe lutava com fraldas e panelas numa pequena casa de madeira, alugada por meu pai de algum colono em Nova Brescia. Meu pai, obcecado pela manutenção da casa e a busca da riqueza imediata, cavava uma jazida de ametistas nas margens do Rio Fão, próximo à vila, que então era distrito de Arroio do Meio. Trabalhou como um louco, dizia minha mãe.
Teve sorte também, achou o que buscava, ganhou dinheiro, comprou casa na cidade, perdeu tudo, reergueu-se novamente, botou uma pequena indústria, uma lapidação - que logo após a guerra faliu - em sociedade com um amigo alemão, Julius Wolf, Seu Julio, também refugiado como Zweig , perdido no tempo e na memória como tantas outras figuras da minha infância. Julio Wolf foi o primeiro refugiado que passou por nossa família. O segundo foi Arthur Boehm, casado com minha tia Elly, tio político e pai de meu primo Roberto.

Passaram-se os anos e aí lembro do português com sotaque do meu avô Edmundo, que sempre repetia a frase quando ia contar um causo. “Passaram-se os anos” para este homem que falava duas línguas com absoluta correção gramatical e depois descobri que isto não era tão raro assim naquele tempo. Havia boas escolas, mesmo no interiorzão das colônias. E lia-se. Vovô Edmundo fez o curso de dentista prático- licenciado, estudando com a ajuda de livros didáticos escritos em português e alemão. Aposentou-se no início dos anos cinqüenta.

Então veio 58 e eu já não morava mais nas serranias da minha infância. Em junho daquele ano o potente rádio transistor que escutávamos no salão de leitura do internato – chiava estática por todas as paredes da sala onde nos amontoávamos para ouvir a voz empolgada de Mendes Ribeiro, o famoso narrador esportivo da Rádio Guaiba. “Deus não joga mas fiscaliza” virou mote e máxima para os anos seguintes. Éramos enfim vencedores e pela primeira vez “ a fria Europa” se curvava aos nossos pés. Garrincha, Pelé e Didi deslumbravam os europeus e nós nunca mais nos sentiríamos com complexo de vira-latas.

domingo, 4 de julho de 2010

ANOS DOURADOS

Tito Lang, eu, Martinho Rottmann e Harry Fischer, o Fichinha, colegas de turma do Clássico.
Essa elegância e esse humor eram todo dia assim. Bons tempos. A foto é de 1959, dos arquivos implacáveis do Martinho



Me despedi do mundo da minha infância e adolescência numa manhã de verão. E como na canção de Caetano Veloso, "no dia que eu fui embora, não teve nada de mais". Peguei o trem na estação de Desvio Blauth, município de Farroupilha, e me mandei para a capital.

Meu pai conseguira vaga no Curso Clássico do Seminário Concórdia, uma escola da Igreja Luterana do Sínodo de Missouri. Explico que meu avô paterno era luterano do sínodo alemão dessa mesma Igreja e assim, por caminhos cruzados, tive a oportunidade de estudar num dos melhores colégios de Porto Alegre daquela época.

Assisti aulas com Arnaldo e Donaldo Schueller, Atilio Chemello, Martin Flor, Ernst Rupp (o Velho Alemão), os professores Walther Kunstmann, Paul Schelp, Arno Gueths, Fritz Otten e outros cujo nome não lembro, mas de igual competência.

Passei todos os anos do curso clássico em regime de internato. Aulas de manhã das sete e meia às doze e meia. À tarde e à noite, duas horas de estudo, obrigatório. Folga aos sábados à tarde até domingo às 18h. Tínhamos campo de futebol, quadras de basquete, pistas de atletismo e pavilhão de ginástica coberto. Biblioteca com mais de dez mil volumes, auditório e um piano Essenfelder, laboratório de Física, Química e Biologia, enfermaria, capela com um órgão majestoso onde o Professor Hans Rottmann, em tardes inesquecíveis, nos transportava nas tocatas de Bach.

O colégio tinha uma vista privilegiada. Dos altos da Lucas de Oliveira via-se o velho hipódromo dos Moinhos de Vento, o centro da cidade e o Guaiba a perder de vista. Éramos vizinhos do IPA (Instituto Porto Alegre) e do Colégio Americano, onde todos os anos assistíamos às olimpíadas esportivas metodistas, espichando o olho para as alunas deste último.

Em 60 também concorri a uma olimpíada, mas a estrela do evento - pelo menos para mim - foi Sonia Knack, que seria minha primeira namorada. Ela arrebatou o público interpretando "Pour Elise", de Beethoven, no piano. Nosso namoro durou pouco, as familias interferiram, era tempo de estudo e não de namoro.
Muitos anos depois nos reencontramos e para alívio mútuo conseguimos passar a história a limpo, com saudável nostalgia e muito bom humor.

Enquanto isso, minha lua de mel com a vida cidadã de Porto Alegre ia de vento em popa. No final dos 50 a cidade tinha mais de 40 cinemas em atividade e uma vibrante orquestra sinfônica conduzida pelo maestro húngaro Pablo Komlos, uma personalidade artística sem par e um marco cultural portoalegrense daquele tempo.

O coral do Seminário Concórdia foi escolhido para atuar na ópera "A Flauta Mágica", de Mozart, com a regência do Maestro Komlós. Os ensaios eram no pavilhão de ginástica, com atuação de parte da orquestra. Descobri então a magia da ópera e não perdi mais nenhum ensaio. Acabei decorando trechos inteiros da melodia e do texto em alemão, conservados na memória até hoje.

terça-feira, 29 de junho de 2010

EVOLUÇÃO LINGUÍSTICA


Nos próximos séculos a Rede Globo certamente será lembrada pelas futuras gerações por ter inventado - além de outras notáveis criações - a impressionante língua do Cuí, parente distante do Latim.

Não confundir o Cuí com o Cuid e seus dialetos Cuod e Cuicúncue. O Cuí, segundo alguns filólogos, já é um sério concorrente do Tatêindo (assim mesmo, com circunflexo e o i paulistês, que é para diferenciar da variante carioca, Tatêundu) na preferência do jargão popular.

Como todos podem constatar diariamente nos capítulos da novela das oito, o Cuí, por ser de fácil assimilação, está obtendo elevadas taxas de penetração e aprendizado junto à audiência televisiva.

Seu uso, além de superar os Tatendos, ameaça seriamente o Mazbá no Sul e o Dij catarinense, que, como se sabe, são línguas altamente conflitantes entre si e totalmente ininteligíveis para os demais habitantes do país.

Apenas o Shproch, falado nas Altas Serras, permanece imune às influências do Cuí. Não se sabe exatamente por quais motivos ou causas, porém os filólogos a serviço da Globo estão pesquisando seriamente o assunto.

Aguardemos, pois, com infinita ansiedade o desenrolar de mais este capítulo de nossa evolução linguística.

quarta-feira, 3 de março de 2010

BARBÁRIE A VISTA


Não é de hoje que assistimos quase que diariamente a cenas de barbárie explícita no noticiário televisivo, mostrando a quantas anda a nossa realidade. O Jornal da Tarde, da Globo, na edição de hoje, tenta amenizar entremeando matérias amenas - boa alimentação, cuidados com a pele no pescoço - mas as cenas são por demais indeléveis.

Um ônibus incendiado de propósito por marginais criminosos, lotado de passageiros, o sujeito que dá um tiro na cara do outro porque não quis abrir a janela, só pode ser sintoma de barbárie.

Um dia Rosa Luxemburgo disse que teríamos que escolher, no futuro, entre socialismo e barbárie. O socialismo, por enquanto, está descartado. A outra alternativa, pelo jeito, está batendo na nossa porta.

domingo, 28 de fevereiro de 2010

VAI ESCREVER, VAGABUNDO

Hugo Carvana, no filme "Vai Trabalhar, Vagabundo"

A difícil missão do jornalista, escritor, memorialista, poeta, seja lá quem for que esteja a batucar num teclado, é escrever. Não dá pra escapar desse destino meio amargo, meio doce. E vem de longe essa coisa de escrever. Parece que estou ouvindo minha mãe me dando adeus e me advertindo premonitoriamente: "e vê se escreve! "

Difícil, sim, porque escrever se confunde com o ato de trabalhar, verbo torturante pra mim, confesso. Vejam a etimologia, vem de tripalium, um instrumento de tortura! E não me digam que vocês não sabiam. Mas enfim, trabalhar era preciso e hoje não, porque estou aposentado. Confesso novamente.

Escrevi minhas primeiras redações no primário, depois no ginásio. Escrever era algo secundário, como os cursos. A coisa ficou importante quando entrei no jornalismo. A batalha do texto jornalístico, objetividade, clareza, imparcialidade, a busca da informação, as fontes. Mas isto foi noutra época. E agora mais ainda.

Hoje muitos de nós não temos mais obrigação profissional de escrever. Mas continuamos, seja por vocação, consciência, diletantismo ou obsessão. Admiro, invejo e tenho orgulho de meus amigos ou conhecidos, escritores, poetas e jornalistas. E por dever de consciência devo admitir: não é inveja boa, é inveja mesmo.

Depois de muito escrever na ativa admito que hoje prefiro mais a leitura. Mas só leitura deixa a porta aberta para certos vicios que tão bem conhecemos e que são a desdita de muitos colegas. Ainda bem que despertei para o universo blogueiro e nele viajo sem parar, me esqueço até da nossa grande e sagrada missão que é teclar. Como não se perder no universo sarcástico de um Renzo Mora, na simplicidade profunda de um Fábio Bruggemann, no engajamento do Nei Duclós, do Sérgio Rubim, de um Marco Vasques, de um César Valente e de tantos nomes talentosos desta ilha do nosso exílio?

Então só me resta recomeçar, refazer o texto, tirar aqui, acrescentar mais adiante. Me animo com esta frase, nunca esquecida e escrita pelo Claudio Levitan, autor de letras inesquecíveis:
Nada mais nos resta a fazer, senão fazer.

P.S.: O título aí de cima foi inspirado por uma conversa com meu velho amigo Martinho Rottmann, a quem reencontrei depois de quarenta e tantos anos.